"Estamos no ano 50 antes de Jesus Cristo. Toda a Gália está ocupada pelos romanos... Toda? Não! Uma aldeia habitada por irredutíveis gauleses resiste ainda e sempre ao invasor...". Todos conhecem esta frase que abre os álbuns de Astérix, mas, para saber como tudo começou, temos de recuar no tempo. Ir até 1926, digo a 33 a.A. (antes de Astérix, por Toutatis!), ao dia 14 de Agosto, quando nascia, na antiga Gália, René Goscinny, filho de pai polaco. No ano seguinte, a 25 de Abril, no mesmo país e igualmente filho de imigrantes, agora italianos, nascia Albert Uderzo.
Por vontade de Belenos, o seu percurso cruzou-se em 8 a.A., deixando Goscinny os desenhos para se revelar um prolífero e versátil argumentista, assinando séries como "Lucky Luke" (para Morris), "Spaghetti" (Attanasio) e "Jehan Pistolet", "Humpá-pá" e "Astérix", para Uderzo. Quatro anos mais tarde, em conjunto com Jean-Michel Charlier (argumentista de "Blueberry", "Barba Ruiva" e um muito largo etc.) formam uma agência com o objectivo de conseguir melhores condições de publicação para as suas obras. Banidos pelas principais editoras, decidiram-se pela auto-edição que, após diversos ensaios, corria o "ano zero" da era Astérix, surgiria com a forma de revista, sob o nome "Pilote", que se tornaria o berço da moderna BD europeia, revelando ou confirmando talentos como os já citados e, entre outros, Hubinon, Christin, Meziéres, Gotlib, Brétécher, Greg, Lob, Mandrika, Fred, Druillet, Tardi, Bilal, Comés e Cabanes.
Mas como a história da "Pilote" - desaparecida em 1989 e que chegou a ser conhecida como "Le journal d'Astérix et Obélix" - só por si justificava um outro artigo, regressemos à grande aventura de Astérix, o gaulês, que continua de boa saúde, pelo menos financeiramente, dado o decréscimo de qualidade que os novos títulos têm apresentado.
À frente de Tintin e Mickey
O herói preferido dos gauleses actuais, à frente de Tintin e Mickey, segundo sondagem recente, foi gerado por acaso, a três meses do nº 0 da "Pilote", quando os seus pais, a adaptar aos quadradinhos o "Roman de Renart" para a revista, descobriram que alguém já o fizera antes. Tornou-se premente a busca de uma alternativa, que foi inspirada pela plêiade de deuses gauleses e aproveitou uma distracção do todo poderoso Júpiter, deus dos romanos que, por isso, ao longo de 40 anos a apanhar pancada, muita vontade devem ter tido de o ver no circo, lançado aos leões. O resultado foi um herói com quem os gauleses se identificavam, mais inteligente que forte, e com um conjunto de amigos com defeitos bem humanos, aproveitados para conseguir irresistíveis momentos de boa disposição, que se revelaria um sucesso quase sem paralelo: no ano 2 d.A. (depois de Astérix), a tiragem inicial do álbum com a primeira aventura, "Astérix o gaulês", tirava 6.000 exemplares, que, n'"A foice de oiro", no ano seguinte, já eram 100.000, ultrapassavam o milhão, em 7 d.A., com "Astérix e os Normandos", atingindo a gorda (gorda, não, forte!) cifra de 2,7 milhões, no mais recente "O pesadelo de Obélix".
Se o êxito no mercado gaulês se deve à já citada capacidade de identificação com o herói e à chauvinista revisão da verdade história, a invasão (pacífica) dos outros países _ hoje cada novo título é traduzido em 77 línguas e dialectos _ explica-se pela capacidade de agradar aos mais novos, pelas aventuras em si e pelo humor directo e simples de Goscinny, e a adultos, pela caricatura de personagens reais, pela crítica de costumes e pelo humor subtil e inteligente de Goscinny.
O êxito crescente da banda desenhada, que conta 25 títulos, levou a um sem número de adaptações em cinema de animação, teatro e, mais recentemente, ao grande écran com "Astérix e Obélix contra César", de Claude Zizi, com um elenco de luxo, encabeçado por Christian Clavier (como Astérix), Gerard Depardieu (Obélix), Roberto Benigni (César) e a bela Laetitia (Falbala). E apesar dos atropelos feitos ao espírito da série, os números alcançados pela mais cara película gaulesa são impressionantes: 450 mil espectadores só no primeiro dia e mais de nove milhões até hoje, na Gália (e milhão e meio de cópias para o próximo lançamento em vídeo), 3.300 mil espectadores na Germânia, 800 mil espectadores na Lusitânia. Números que justificam que já esteja em preparação novo filme, com Clavier e Depardieu, dirigido por Alain Chabat.
O Parque Astérix (próximo de Lutécia, a que alguns chamam Paris), que recria a aldeia gaulesa e as principais aventuras dos heróis, em dez anos recebeu dois milhões de visitantes, que deixaram nos seus cofres um milhão de contos e permitiram a sua entrada na bolsa francesa, em 37 d.A..
Às comemorações do 40º aniversário de Astérix associa-se a Meribérica/Líber, que anuncia a oferta de brindes na compra dos álbuns, que serão integralmente reeditados a partir de Janeiro, o lançamento de mais um livro de receitas "As viagens gulosas de Astérix", e outras iniciativas que para já só podem ser transmitidas de "ouvido de druida para ouvido de druida", mas que deverão incluir um novo álbum durante 2000.
Tudo factores a fazer aumentar o volume do negócio, gerido pelas edições Albert René - criadas por Uderzo no ano 20 d.A., dois anos após a morte de Goscinny - que facturaram, há seis anos, quase 10 milhões de contos, o que se não pode evitar que o céu caia em cima da cabeça dos gauleses, ajudará muito, quando tal acontecer. Com a certeza que amanhã não será a véspera desse dia.
Pedro Cleto, JN, 1999
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Os 60 anos de Astérix
(imagens e informação disponibilizadas pela editora; consultar no blog de Pedro Cleto)
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