HERMAN José terá de pagar uma indemnização de 4500 contos, acrescidos de 15% de juros anuais, às edições Albert René, propriedade de Albert Uderzo e dos herdeiros de René Goscinny, pela utilização não autorizada da personagem de banda desenhada «Astérix, o Gaulês». A decisão foi tomada no dia 7 pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que assim encerra definitivamente um contencioso iniciado em 1992. Por outro lado, o acórdão do STJ vem fazer doutrina no campo dos direitos de autor em Portugal, já que é a primeira vez que se decide legalmente pela protecção de uma personagem, e não da obra integral.
As edições Albert René decidiram avançar com a acção legal depois de um «spot» publicitário de promoção da cerveja Sagres, realizado, produzido e interpretado por Herman José, ter sido exibido na RTP, em Maio de 1992, sem qualquer autorização para reprodução ou exploração comercial da personagem de BD.
No «spot», Herman José aparece caracterizado e vestido como Astérix - bigodes e cabelos loiros, colete, espada e capacete - e, inclusive, diz que a cerveja é a «poção mágica», o que, como sabem os leitores de Astérix, é um dos traços marcantes daquela personagem de Uderzo e de Goscinny.
«Objecto de usurpação»
No tribunal de primeira instância, a acção foi favorável a Herman José, tendo os juízes considerado que o actor apenas fizera «uma paródia». No entanto, as edições Albert René recorreram para a Relação, que lhes deu razão, considerando que houve uma violação dos direitos de autor. Foi então a vez de Herman José interpor recurso para o STJ, que reconfirmou a decisão da Relação.
Basicamente, o STJ considera que o «realizador-actor Herman José» utilizou na «sua essência a figura de BD Astérix (...) quer no seu aspecto plástico, traços físicos, quer na sua caracterização psicológica (herói vencedor através de uma poção mágica) (...) e no seu universo (guerreiro que luta contra os romanos)».
Os juízes afirmam ainda que Herman «se meteu na pele de Astérix e recriou esta personagem (...) sem lhe alterar qualquer elemento de marca distinto de Uderzo e Goscinny».
Concluindo, o STJ pronuncia que «(...) a criação de Albert Uderzo foi objecto de usurpação por parte de Herman José, já que a autora (da acção) não lhe concedeu qualquer autorização para a reprodução e exploração comercial da personagem». No mesmo acórdão, o STJ absolve a Centralcer, proprietária da marca Sagres, e a RTP, por considerar que caberia a Herman obter a autorização para uso da personagem.
«Homenagem romântica»
Confrontado com a decisão, Herman José diz que «as questões» relacionadas com o uso de personagens «são muito subjectivas» e que na sua «profunda convicção» utilizou Astérix «não para um plágio, mas como uma homenagem romântica a um personagem» que faz parte do seu «imaginário». No entanto, o artista reconhece que «uma coisa são os ideais românticos» e «outra a realidade comercial, onde a justiça tem de ser objectiva» e que, se tivesse de realizar o mesmo filme hoje, teria sido «muito mais profissional», solicitando «de imediato a autorização».
Manuel Lopes Rocha, advogado das edições Albert René neste caso, afirma que a sentença do STJ «cria uma corrente jurisprudicional a favor da protecção da personagem». Lopes Rocha defende que as «personagens e os seus nomes - de BD, literatura, animação, jogos de computador ou de outras criações - são fundamentais para os seus autores, devido ao valor acrescentado que proporcionam, como, por exemplo, em 'merchandising'». Segundo o advogado, a partir de agora em Portugal «a personagem, isoladamente, passa a estar incluída na protecção dos direitos de autor».
JOSÉ VEGAR / Expresso, 17/07/1999
O advogado de Obélix
«Sou um jornalista frustrado». É assim que se define Manuel Lopes Rocha, «o» acérrimo defensor de Obélix e Astérix. E logo pela manhã vinga-se do sonho nunca vivido. «Devoro furiosamente tudo quanto é jornal português ou estrangeiro. E muitas revistas.»
Coincidência ou não, o seu escritório lembra a desarrumação habitual das redacções, com montes dispersos de papéis pelo chão, expressando a sua importância na distância que os separa da secretária. Fala muito depressa. A sua acção rápida e viva, estaria mais de acordo com o stress jornalístico. Mas não. «A vida de advogado é muito aborrecida. Às vezes aparecem casos interessantes que ficam na nossa pequena história.»
Manuel Lopes Rocha tem desses episódios. Astérix e Obélix foram os personagens que lhe deram o caso mais mediático. A defesa dos famosos gauleses acabou por ser um marco na sua carreira. Arrastou-se durante seis anos, mas chegou a subir ao Supremo Tribunal de Justiça e fez jurisprudência em Portugal. Tratou do spot publicitário onde Herman José, disfarçado de Astérix, fazia de conta que uma conhecida cerveja portuguesa era a sua «poção mágica». O advogado levou a sua à certa e provou que também «a personagem artística é protegida pelo direito de autor». Houve indemnizações pagas e quem ganhou foram as edições Albert René, propriedade de Albert Uderzo e dos herdeiros de René Goscinny.
Na área do direito de autor, a especialidade de Manuel Lopes Rocha, é fundamental, explica, «ler muito, manter intenso contacto com a comunicação social, ter o mínimo de cultura e também 'beber' muita banda desenhada: Tintin, Blake & Mortimer, Astérix, Corto Maltese...» Isto porque os atropelos são cada vez em maior número. «É na banda desenhada, música, livros, Internet, software...» Outra das suas estreias foi ter conseguido, pela primeira vez, que um tribunal português considerasse o software protegido pelos direitos da propriedade intelectual, a propósito da pirataria de um conhecido importador de automóveis. E também lhe foi parar às mãos o caso do cibercrime protagonizado por dois adolescentes portugueses «extremamente dotados» que entraram no sistema informático de cartões de crédito americanos e fizeram compras em Lisboa.
A Internet tornou-se o alvo principal dos plagiadores por «tudo ser copiável». Manuel Lopes Rocha acha que se deve evoluir para outras medidas «como vender passwords, aferrolhando o que se quer proteger do ponto de vista intelectual». Porque os plágios, hoje em dia, tornaram-se vulgares. «Eu próprio sou vítima de plágios. Há um uso abusivo, um excesso de citação sem que se identifique o autor das ideias. Se nunca se referir o autor pode ser-se o pioneiro.» Os casos de plágio têm surgido em crescendo. «Em livros, multimédia, base de dados. As penas são pesadas, mas não são aplicadas.» Até que um advogado como ele se meta no assunto...
Leonor Figueiredo, Diário de Notícias, 04/03/2003
Descritores temáticos e sumário:
Direitos de autor
I - Provando-se nas instâncias que o réu, no âmbito de um contrato publicitário para a televisão surgia como actor principal, exibindo os bigodes e os cabelos loiros e consistindo o traje num colete de cor negra, um cinto de bolas, em calças, uma espada e um capacete arvorando duas asas, sendo esta a habitual indumentária de Astérix nas suas aventuras, nos seus mais diversos meios de criação artística em que se expressa pelo seu autor, significa isto que o réu se meteu na pele de Astérix e recriou este personagem com o seu cunho interpretativo, como é inevitável em qualquer actor relativamente a um personagem que interprete, mas sem lhe alterar qualquer elemento de marca distinto de Albert Uderzo.
II - Há assim um claro aproveitamento do que foi criado por Albert Uderzo, ou seja do que tem de essencial a sua obra, as suas Aventuras de Astérix.
07-07-1999
Revista n.º 592/99 - 1.ª Secção
Fernandes Magalhães (relator)
Tomé de Carvalho
Silva Paixão
https://arquivo.pt/wayback/20000925174218/http://www.cidadevirtual.pt/stj/jurisp/bol33civel.html
I - Provando-se nas instâncias que o réu, no âmbito de um contrato publicitário para a televisão surgia como actor principal, exibindo os bigodes e os cabelos loiros e consistindo o traje num colete de cor negra, um cinto de bolas, em calças, uma espada e um capacete arvorando duas asas, sendo esta a habitual indumentária de Astérix nas suas aventuras, nos seus mais diversos meios de criação artística em que se expressa pelo seu autor, significa isto que o réu se meteu na pele de Astérix e recriou este personagem com o seu cunho interpretativo, como é inevitável em qualquer actor relativamente a um personagem que interprete, mas sem lhe alterar qualquer elemento de marca distinto de Albert Uderzo.
II - Há assim um claro aproveitamento do que foi criado por Albert Uderzo, ou seja do que tem de essencial a sua obra, as suas Aventuras de Astérix.
07-07-1999
Revista n.º 592/99 - 1.ª Secção
Fernandes Magalhães (relator)
Tomé de Carvalho
Silva Paixão
https://arquivo.pt/wayback/20000925174218/http://www.cidadevirtual.pt/stj/jurisp/bol33civel.html
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